Ao mirar a paisagem que se delineava na janela do avião, antes mesmo de os pés tocarem o solo, logrei a máxima, ainda que pequena, idéia que se pode ter da imensidão amazônica. Naquele instante, diante do vasto tapete verde, entrecortado pelos rios impressionantemente caudalosos, fui tomado por um incomunicável sentimento. Em alguma medida, creio, tenha sido semelhante àquele que acometia os antigos e desprendidos desbravadores. O que via diante de mim era a mais contundente imagem do que se usa chamar biosfera - esta rica camada composta de vida que recobre nosso planeta.
Justamente, “biosfera” talvez seja a idéia que mais convém como expressão do que é a Amazônia. Um gigantesco organismo vivo, cuja beleza maior está além de suas paisagens recortadas isoladamente, mas na magnitude do seu todo, na complexidade e relações de interdependência que a caracterizam. Em terra firme, já não é possível ter a mesma visão inicial, uma vez que a ausência de montanhas marca praticamente toda a região de floresta. Entretanto, cada paisagem, cada micro-ecossistema, cada nicho ou mesmo ser vivo com os quais nos deparamos neste lugar parecem refletir em si mesmos o todo, pois somente surgem e jazem através das relações que estabelecem entre si.
De qualquer modo, não ousaria pensar que minha experiência ao longo deste ano abarcará a totalidade desse universo, mas provavelmente um milésimo dele. Cada espaço geográfico e social que o compõe possui suas realidades próprias, ainda que, em larga medida, estejam correlacionadas. Assim, expressando ao mesmo tempo o todo e uma realidade particular, cada espaço pode reivindicar seu título de coração da Amazônia.
Tabatinga não poderia fugir disso. Cidade pequena do alto Solimões no Amazonas, de não mais que cinqüenta mil habitantes, e caprichosamente localizada em região de fronteira com dois países – Colômbia e Peru –, certamente é uma representante especial desse universo. Carrega muitas das características que compõem o imaginário daqueles que não conhecem esta parte do país: é cercada por densa e exuberante selva, cortada por um grande rio, sede de aldeias indígenas, vítima do atraso econômico e entreposto do tráfico de drogas. Por sua localização fronteiriça, possui várias peculiaridades, entre as quais o fato de ser sede de unidades estratégicas das Forças Armadas e, por conta disso, marcada em seu dia-dia pela presença de militares.
A coincidência de estar na Amazônia em um momento em que os olhos do mundo se voltam pra cá - seja com olhares preocupados ou cobiçosos - se torna mais um especial ingrediente dessa experiência. Meu curto espaço de tempo inicial por aqui já foi suficiente para evidenciar a imensa complexidade que envolve os problemas da região, a qual dispensa quaisquer soluções simplistas. A exploração e degradação ambiental, a pobreza, a problemática indígena, a biopirataria internacional, o tráfico de drogas, a luta de guerrilha, as ameaças à soberania nacional, tudo isso são questões correntes na região, que, de alguma forma, pairam sobre a cidade. No caso particular da saúde, não poderia ser diferente. Tão logo iniciei minha rotina no Hospital de Guarnição de Tabatinga, me deparei com a dura e crítica situação da saúde com que terei de lidar neste rincão do país.
Finalmente, creio que somente agora, dois meses após chegar ao norte do país, começo a deixar aos poucos o status de turista para a condição rotineira de morador, ainda que sempre venha a carregar o olhar de fora. Não à toa, resolvi escrever só agora – no tempo oportuno em que a poeira levantada pelos pés de viajante começa a se assentar e a paisagem ganha nitidez.
9 comentários:
Be, estamos impressionados com a sua escrita, quanta eloqüência!! Mais uma vez parabéns pela iniciativa!!!Tô orgulhosa!! Continue atualizando e compartilhando toda esta trajetória com a gente!!! beijo saudoso, gabi.
Como a Gabriela disse, quanta eloquencia!!!
Vou ficar aqui acompanhando...
beijinhos!
Bruna
Bê, adorei a iniciativa!! Se continuar assim, isso vai dar em livro... Estamos com saudade de vc. Espero que continue atualizando as notícias!
abraço enorme!
ciça.
olaaaaaaaa!!!!!!! eu estava ansiosa para saber noticias da sua nova localização na biosfera!!! rsrsrs
atualize sempre seu blog! adorei le-lo! mas queria saber mais sobre sua experiencia no militarismo, sobre o tempo q passou na selva...
grande beijo
gabi pupo
Fica fria, querida pupo. Com certeza, botarei em breve. Beijos
Incrível suas primeiras impressões sobre a nossa floresta.
Fiquei emocionada!
Fico no aguardo de outros relatos.
Beijão de sua mãe,
Helena
Bernardo adorei o Blog e amei suas crônicas. Você está cada vez mais se aprimorando na habilidade de escrever. Contar casos é uma coisa. Saber contar como os relatos primorosos que você vem fazendo e por pra fora o dom de escritor, entre outras coisas que você está aprendendo a fazer bem.
Torço por você, sou uma grande admiradora sua e sugiro que você reuna este material num "Diário de Bordo". Vale a pena.
Beijo enorme e felicidades!
Lucia (amiga do seu Pai do Médico de Família de Niterói)
Bernardo, também já estive por aí por essas terras imensas e sem fim...uma vastidão assombrosa, um espetáculo no sentido pleno da palavra. Não sei se voce já sabe o que foi e está fazendo aí ou não mas isso também não importa. Tirando o aspecto de brincadeira, fica mesmo a impressão de que dessa experiência ninguém sai incólume...muito bacana, parabéns, aguardamos sua volta para saber tudinho...beijos da prima lia
Prezado, publiquei sua crônica sobre a nossa região em nosso blog. Dê uma olhada. http://www.bocasenoticias.blogspot.com.br/2015/05/cronica-chegando-amazonia.html
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