segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Crônicas XIV (parte1)

Atalaia do Norte.

Certa vez, chegou ao hospital uma criança indígena da etnia kanamari com quadro suspeito de meningite. A despeito do uso de antibióticos, o menino apresentou piora do quadro nos dias que se seguiram à admissão. A mãe, que até então aparentava esmero com o filho, de modo repentino, anunciou que ele estava “estragado”. Frente àquela desconcertante atitude, a equipe de pediatria se esforçou em dissuadi-la de desistir do próprio filho. Foi, então, convencida a acompanhá-lo em vôo de transferência para Manaus, onde realizaria uma tomografia computadorizada de urgência.

Na verdade, aquele não foi o único caso de clara negligência de pais indígenas com seus filhos. Embora fosse uma minoria, não deixavam de ocorrer em freqüência considerável. Alguns atribuíam, de maneira açodada, à cultura dos índios, os quais teriam pouco apreço por suas crianças. Outros diziam que muitos indígenas negligenciavam dolosamente seus filhos visando receber a bolsa que o Estado paga em caso de morte.

O fato é que a quantidade de crianças indígenas gravemente desnutridas salta aos olhos, sobretudo considerando a melhora dos indicadores de saúde dessa natureza na população em geral nas décadas recentes. Classicamente, sabe-se que a desnutrição infantil está relacionada intimamente com a pobreza, associada, quase sempre, a um mau vínculo mãe-criança. Esse mau vínculo é potencializado pela própria carência material, bem como pelo baixo nível educacional e pela desnutrição prévia das próprias mães, gerando um ciclo vicioso. Portanto, nesses casos, creio que a negligência dos pais se deve menos a aspectos culturais e mais ao contexto da pobreza. A exemplo da Europa na Idade Média e – mais próximo – das regiões de seca no nordeste, na miséria a vida passa a valer pouco, a morte é resignável e as relações humanas se brutalizam. Ironicamente, a úmida e chuvosa Amazônia também tem suas vidas secas.

É difícil apontar todas as causas dos graves problemas sociais que acometem os índios atualmente. A exploração secular da sua força de trabalho, o descaso do Estado e a usurpação de suas terras são fatores históricos indiscutíveis. O exemplo do processo histórico que culminou com as grandes aldeias ticunas relatado no texto anterior exemplifica bem os dilemas de sustentabilidade econômica vivenciados pelos índios, após sua incorporação à economia capitalista. Além disso, creio que haja um forte componente subjetivo-cultural que contribui para perpetuar sua situação. Muitas vezes, enxerguei nos ticunas a mesma baixa auto-estima no olhar que havia reparado nos índios pataxós do sul da Bahia, e nos índios bolivianos de Tarabuco, Sucre. Como se os séculos de humilhação e exploração tivessem minado seu orgulho e deixado uma marca em seus semblantes.

A rede de proteção social oferecida pelo Estado, embora seja necessária, hoje em dia mostra-se aquém das necessidades dessas populações. Não tenho dúvidas que a política de distribuição de bolsas seja fundamental, na medida que garante as necessidades materiais essenciais e propicia a dignidade mínima às pessoas. No entanto, é preciso avançar além das políticas assistenciais, e nesse ponto reside o grande desafio. As políticas emancipatórias são responsabilidade dos governos, bem como dos próprios índios. E essa responsabilidade conjunta, creio, é uma premissa quando se trata da política para a saúde indígena.

(Continua)

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Crônicas XIII


Fabricação da farinha de mandioca.
O Umariaçu é uma grande aldeia indígena situada no municipio de Tabatinga. Constitui uma das maiores aldeias do povo Ticuna. Na verdade, tendo em conta seu tamanho e estrutura, pode ser considerado um bairro. A história desse povo é bastante representativa da situação dos índios na Amazônia. Ela expressa bem muitas questões atuais que se apresentam aos índios na região. De todo modo, como já disse, tem especifidades que não podem ser estendidas a todos povos, mesmo aos outros do Alto Solimões.
Abaixo, coloco fragmentos de um texto que traça um panorama sucinto sobre esse povo, pescado na internete. Em breve, relatarei algumas impressões da minha vivência com eles.

“Os Ticuna configuram o mais numeroso povo indígena na Amazônia brasileira. Com uma história marcada pela entrada violenta de seringueiros, pescadores e madeireiros na região do rio Solimões, foi somente nos anos 1990 que os Ticuna lograram o reconhecimento oficial da maioria de suas terras. Hoje enfrentam o desafio de garantir sua sustentabilidade econômica e ambiental, bem como qualificar as relações com a sociedade envolvente mantendo viva sua riquíssima cultura. Não por acaso, as máscaras, desenhos e pinturas desse povo ganharam repercussão internacional.

Os Ticuna falam uma língua isolada que não tem nenhuma semelhança com outra língua indígena. Sua principal peculiaridade é o caráter tonal da língua, ou seja, uma mesma palavra pode assumir diferentes significados, dependendo da entonação. A despeito de dominarem o português, os Ticuna fazem uso de sua língua materna no cotidiano e a valorizam como um importante símbolo de sua identidade étnica.

De acordo com seus mitos, os Ticuna são originários do igarapé Eware, situado nas nascentes do igarapé São Jerônimo (Tonatü), tributário da margem esquerda do rio Solimões, no trecho entre Tabatinga e São Paulo de Olivença. Ainda hoje é essa a área de mais forte concentração de Ticuna, onde estão localizadas 42 das 59 aldeias existentes (Oliveira, 2002: 280).
Desde a década de 1980, com a criação das associações ticuna, as lideranças foram aprendendo a reivindicar junto às prefeituras, ao Estado do Amazonas e à União, a construção de escolas e instalação de postos de saúde nas aldeias com um contingente populacional elevado. A importância eleitoral desta população, reconhecida pelos políticos da região, foi central para estas conquistas.

As aldeias equipadas com escolas têm a capacidade de atrair mais moradores, principalmente aqueles que têm filhos em idade escolar. Outros fatores ligados ao bem estar familiar também são capazes de influenciar a ocupação de um certo território como, por exemplo, a existência de uma estrutura de atenção à saúde e a possibilidade de obtenção de empregos públicos, geralmente associados às prefeituras municipais. Há aldeias (todas elas grandes) que chegam a ter vários trabalhadores que recebem salários da prefeitura - como é o caso dos professores, dos “motoristas de luz” (como é o operador do gerador das aldeias), entre outros.

Por outro lado, há, nessas aldeias com mais de mil habitantes, uma grande dificuldade de encontrar espaço para a abertura de novas roças. As terras estão a até duas horas de caminhada do centro da aldeia, visto que todo espaço cultivável mais próximo já está ocupado por roças ou capoeiras. O estoque pesqueiro também tende a ficar comprometido em função da sobrepesca realizada para o consumo doméstico e, principalmente, para a comercialização - uma das maneiras de garantir o sustento da aldeia. O trabalho necessário para a obtenção de produtos agrícolas e para a realização da pesca é muito maior, visto que freqüentemente os Ticuna gastam mais tempo para ir e voltar ao local de trabalho do que na tarefa propriamente dita.

As aldeias maiores tornam-se pequenas cidades sem qualquer um dos benefícios que poderiam advir de uma urbanização mesmo que incipiente. Assim, problemas ligados a uma urbanização descontrolada e enviesada começam a aparecer em aldeias como Belém do Solimões. Há, por exemplo, graves problemas de saneamento, transformando a obtenção de água e o tratamento dos dejetos num caso sem solução.

Os moradores das pequenas aldeias têm maiores dificuldades de impor suas necessidades aos políticos regionais, visto que o eleitorado é bastante pequeno, mas em compensação a qualidade de vida de seus habitantes é invariavelmente melhor que nas grandes aldeias. Não há qualquer dificuldade de obter seu sustento, que ademais pode ser classificado como sustentável ao longo das próximas gerações, e não geram impactos significativos ao ambiente que os circunda. O grande desafio para as lideranças que optaram por esta via é conseguir dotar estas pequenas aldeias com uma infra-estrutura semelhante ou até melhor em termos de educação e saúde, e com alternativas para o desenvolvimento local.

Assim, depois de conseguir realizar a demarcação das principais áreas, os Ticuna têm tentado enfrentar o desafio de explorar de modo sustentável o seu território. Começam a ter percepção do início de um processo de degradação ambiental que, de forma mais imediata, atinge suas reservas de alimentos e, por conseguinte, seu bem estar e sua saúde. Acostumados a manter uma relação com o rio Solimões, os igarapés e os lagos (provedores inesgotáveis da principal fonte de proteína de sua dieta), os Ticuna passam, agora, a ter que lidar com novos fatores ligados ao manejo do recurso hídrico: o aumento da densidade populacional ao longo do Solimões; a pesca predatória nos lagos invadidos periodicamente por não-índios; a pesca de exportação também praticada de forma predatória; a poluição ambiental etc.”

domingo, 18 de janeiro de 2009

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

El Pirarucu



Museu de Medellin. Museu de Tabatinga.



Pirarucu, segundo uma lenda indígena, foi um bravo guerreiro. Entretanto, tinha o coração perverso, tendo praticado crueldades com os índios de sua própria aldeia. Também desdenhou dos deuses, os quais, como punição, o levaram às profundezas do rio, trasformando-o em um gigantesco e escuro peixe. Pode crescer até três metros de comprimento e pesar cerca de 250 kg.