domingo, 15 de março de 2009

Crônicas XVI

Em janeiro deste ano, a cidade de Belém do Pará sediou a última edição do Fórum Social Mundial. Terminar minha estada em terras amazônicas participando mais uma vez dele foi para mim algo emblemático.

O FSM nasceu em 2001, na cidade de Porto Alegre, em contraposição ao Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, onde se reuniam os representantes dos países mais ricos, bancos e investidores internacionais. De lá para cá, cresceu em tamanho, projeção e impacto, ainda que proposital e largamente ignorado pela grande mídia. Tornou-se, pois, uma referência para as pessoas, movimentos sociais, entidades públicas e não-governamentais e intelectuais do mundo que se opõem ao neoliberalismo, seu chamado pensamento único, bem como a qualquer tipo de imperialismo. Além de negar a forma de globalização atual, busca pavimentar o caminho para um modelo de desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente sustentável. “Um outro mundo é possível” é o lema estampado pelas bandeiras do FSM, não como expressão de um otimismo iludido, daqueles que aguardam passivamente um futuro melhor. Este outro mundo é, na verdade, expressão de valores, anseios, lutas e iniciativas do presente, que, na contramão da hegemonia atual, apontam para uma nova ordem mundial. Um outro mundo surge, portanto, não como opção alternativa, mas como necessidade imperativa.

Basta caminhar pelos quilômetros de tendas, salas, estandes e acampamentos que compõem o fórum para se vivenciar uma experiência marcante. Com 133.000 participantes inscritos, vindos de 142 países do mundo, o FSM de Belém mostrou, mais uma vez, sua diversidade efervescente de pessoas, culturas e pensamentos. Apesar de toda essa heterogeneidade, o evento não poderia ser definido como um refúgio de sonhadores e inconformados, numa espécie de Woodstock contemporâneo, ainda que haja gente de toda espécie. Mais do que isso, o FSM consiste em um espaço democrático de debates, idéias, projetos e troca de experiências. Um dos seus objetivos é, portanto, dar visibilidade para iniciativas e formas de resistência que já estão em curso em várias partes do planeta, como por exemplo: cooperativas de trabalhadores na Amazônia ecologicamente responsáveis, organizações indígenas da Bolívia, movimento de mulheres do Quênia, sindicato de trabalhadores indianos, grupos pacifistas da Palestina e Israel, produtores de mídia alternativa do Paquistão, organizações dos EUA e Europa que denunciam os abusos das grandes corporações, entidades de defesa dos direitos humanos, da saúde e educação de várias partes do mundo, movimentos estudantis, etc.
Certamente, a escolha estratégica de Belém para sede do evento serviu bem ao propósito de colocar em pauta a região amazônica. Afinal, não restam mais dúvidas de que o destino da Amazônia influirá no destino do próprio planeta. Mas, ao que parece, não basta que essa verdade se dissemine. Não basta que ela apareça nos meios de comunicação, nas profecias sombrias dos cientistas, nas bocas dos formadores de opinião, no marketing das empresas "ecologicamente responsáveis", nos panfletos das ONGs, no discurso dos políticos e, mesmo, nas crônicas de blogs perdidos por aí. Tudo não passará de mero modismo, hipocrisia e pesar, se as raízes profundas da crise não forem discutidas. E isso significa rever valores e modos de vida; significa contestar interesses e privilégios antigos; significa, por fim, fundar uma nova relação do homem com a natureza e consigo mesmo.

Um comentário:

Gabriela Wittlin disse...
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